Olá queridos leitores,
Tem sido uma aventura para mim fazer estas Newsletters e sendo a terceira, começo a sentir uma certa energia neste movimento a ganhar tracção, tal e qual uma locomotiva que lentamente começa a avançar.
Sinto-me entusiasmada e espero que vocês aguardem este momento com expectativa. Obrigada aos novos leitores que se juntaram recentemente.
Acho tão giro pensar que por esse Portugal fora, um grupo específico de pessoas vai estar a ler esta crónica, se calhar alguns ao mesmo tempo, e cada um a sentir emoções diferentes!!
Quero dizer para aqueles mais enraizados na forma de escrever correta que li e reli este texto umas dez vezes, e em todas elas me debrucei sobre correções, portanto, isto para dizer que me assumo como humana e vulnerável na minha escrita!!
Primeiro queria situar-vos. Escrevo do meu terraço com vista para o mar e estão 26 graus. Era só esta união de fatores de início de Primavera que não queria deixar de salientar. Está um ar confortável e eu peguei no computador e vim rápido para ainda ver o sol desaparecer. É uma boa memória que guardo do Verão de 2023, o primeiro em vários anos em que não fui para o Algarve ao fim de 12 anos, e, em vez disso, todos os dias me sentei neste terraço a ver o pôr do sol na companhia da minha cadela Clara. Estas decisões são sempre impactantes nas nossas vidas.
Às vezes é necessário fazer diferente!!
Estamos na Páscoa, uma das épocas do ano em respeito às festividades que mais adoro na aldeia. Gosto mais do que o Natal, porque ao contrário do natal que fomos aprendendo..., a Páscoa convida a um momento de reclusão e quase hibernação. O ambiente no ar é um convite a parar e eu, aceitando esse desafio recebi esta última semana de forma desacelerada.
Nunca mais me esquece algo que aprendi aqui na aldeia, nos meus tempos de quinta, para quem não sabe vivi quatro anos numa quinta bem no coração da minha aldeia, a seguir à minha separação de 30 anos de casamento. A Sra da quinta chegava a esta altura e dizia;
Gracinha…cada Domingo até chegar ao Domingo de páscoa tem um nome;
“Ana, Magana Rebeca, Susana, Márcia, Ramos…na Páscoa estamos!!”
Todos aqui em casa brincamos na Páscoa com esta memória.
Aqui as pessoas ainda abrem os portões e as famílias e amigos encostam-se aos muros altos, as mais antigas e os aldeões seguem o compasso até às casas assinaladas onde há sempre algo preparado para os receber. Beija-se a cruz, e, espalham-se tapetes de flores cuidadosamente feitos em comunidade. Quase toda a gente doa flores e folhas dos seus jardins. Nos tempos antigos da quinta, as mulheres da quinta colocavam numa mesa de pedra lá fora várias iguarias e bebidas e, escusado será dizer que conta a história, a dada altura o passo já saia de lá descompassado e a cruz já ia relaxadamente pousada no ombro, qual enxada!! Eu sei porque vi e desenhei essa cena maravilhosa numa das minhas caminhadas.
É baseada nesta altura, e no seu Ar reflexivo de Morte e Vida, que me lembrei de vos oferecer os pensamentos que ao longo da minha vida adotei como kit de ferramentas, e que se foram tornando pequenas jóias de bolso, para momentos em que a minha locomotiva vai tão rápida que descarrila!!
Espero que vos faça pensar também sobre quais as frases que vos fazem refletir.
1-A escassez é a mãe de todas as invenções
Uma mãe nunca gosta de ver um filho passar por momentos de aperto e nesses momentos recorda os seus próprios apertos, mas se é uma boa mãe ela não priva os seus filhos de passar pelos seus desafios para, perante as adversidades poderem eles próprios, tomar as suas próprias decisões às quais tem direito. Quando olho para trás, sei exatamente o que mudou na minha vida para melhor quando olhei de frente, e com grande ansiedade para um momento de escassez, e face a cada situação me reinventei, e com ele nasceram novas ideias que me acompanham até hoje.
Quando momentos de escassez acontecem, temos ideias e coragem, dois ingredientes para para o sucesso, estranhamente é também o único momento em que a dada altura desistimos, e nos entregamos…e nessa passividade ativa tudo acontece.
Foram momentos em que fiz coisas maravilhosas com a minha arte usando formas de o fazer sempre únicas, zero dispendiosas, e foram essas invenções que me tiraram sempre desses momentos de escassez !! Tudo que eu fazia com as minhas mãos sem gastar um tostão se transformava em dinheiro!!
Este ano percebi uma coisa bem interessante.
O Artista ou é pobre, ou é ladrão e entre estas polaridades é sempre olhado com reverência pela sua coragem de o ser.
O Artista na dificuldade particular à profissão em unir o efémero ao racional, ou por outras palavras, unir da sua criatividade e a praticabilidade da vida, passa momentos difíceis como qualquer pessoa em qualquer tipo de “arte”, em qualquer momento da vida...e ficou estigmatizado ao longo de gerações pelo Mito de Starving Artist.
O Artista que passa sempre fome, veio a ter um impacto muito nefasto naqueles que se aventuraram neste caminho a ser puxados para trás por toda a sua tribo.
Por outro lado quando o sucesso lhe bate à porta, por mais transparente e honesto que seja a praticar a exposição e venda da sua arte, por mais cuidado que tenha na tentativa de se manter em equilíbrio, passa de ser o artista que até aí o pobre, para passar a ser o ladrão que como agora tem sucesso já se acha no direito de algo!!
Infelizmente baseio este parágrafo nas coisas que ouço à minha volta constantemente, ditas por pessoas que se acham entendidas na arte de viver!!
Este parágrafo é para as mães de artistas, ou adultos inseridos noutras profissões que se mantêm aspirantes a artistas.
É sim possível viver da nossa arte, eu faço-o, sempre o fiz, e muitas vezes tive de voltar à estaca zero de alguma coisas que achava aprendida por perceber que tinha voltado a falhar. Hoje faço-o intencionalmente para revolver a terra da minha plantação e renovar o ar da minha vida artística.
Chama-se Pousio na aldeia. Deixar os campos descansar entre plantações antes de começar tudo do zero novamente.
O ingrediente de base para o caminho é consistência.
“A mão que te alimenta é a mesma que te faz passar fome”
Parecem frases derrotistas porque são sempre encontradas através dos meus momentos de crise. Foram sempre usadas com intenção de me lembrar que existe uma sabedoria maior nesses momentos e que a minha visão é geralmente muito limitada face a essa inteligência.
Na vida temos de saber receber e dar. (Sim eu inverti a ordem) Receber implica ficar devedor na forma como aprendemos o poder pessoal através das gerações. Dar torna-nos grandes, às vezes demais, se na realidade nos sentimos pequenos, ainda assim é mais fácil e menos doloroso, mas tem escondida a possibilidade do ressentimento do não reconhecimento.
Um dos momentos em que aprendi essa grande verdade foi quando a minha mãe, que hoje sei, ainda que muitas vezes intuitivamente, uma boa mãe com as ferramentas que tinha ao seu dispor…, me negou uma ajuda num momento difícil.
Uma mulher cuja a característica que quero perpetuar em mim é a generosidade, sabia aquilo que eu hoje também sei. Que ajudar não nos deve colocar a nós num lugar frágil. Passei anos a colocar-me em lugares frágeis, inspirada pela dádiva que a via como exemplo através da minha mãe, e muita empatia, até aprender esta grande verdade.
Não nos podemos empobrecer para melhor entender e ajudar a pessoa que passa dificuldades e, nem tão pouco ficar doentes para ajudar alguém que atravessa uma doença.
Ser mãe deve ser a tempo inteiro ajudando e às vezes negando. Às vezes a melhor forma de ajudar é não ajudando!! Sendo observados de perto por alguém bem atento, os nossos filhos podem tomar as suas decisões e encontrar os seus caminhos nestas estradas cheias de flores e pedras.
“Não queiras atravessar a ponte antes de chegar a ela!”
Esta talvez seja aquela frase a que volto ano após ano após ano, após mês, após semana.
Dito por uma controladora que sou, tenho vindo a aprender a magia do momento certo que não é o meu.
Não controlar mas deixar o timing natural acontecer em tudo. Seja na venda de um quadro que às vezes não é para um cliente e afinal é para outro numa altura em que essa obra me vai pagar a renda … Quer numa decisão de maior monta que toque qualquer assunto, tantas vezes me vi como o tolo no meio dessa ponte só que, no meio dela não havia nem princípio nem fim.
Hoje ouço sempre, Graça…não atravesses essa ponte antes de chegar a ela e despreocupo-me ocupando-me com algo. Puxo a minha ancora da dor com uma caminhada para clarear a cabeça.
Preocupar = Pré-ocuparmo-nos de algo antes do tempo!!
Outra coisa fantástica que aprendi este ano, foi a importância de estar no lugar de desconforto durante pelo menos 3 dias, e ver esse momentum a ganhar movimento e solução. Isto para mim foi libertador. Mudou-me para sempre.
É como nos vestirmos de lavadinho de manhã, e de repente vemos que temos uma nódoa na camisa…chata e visível!! Hoje já não vou tão rapidamente tirar a camisa. Deixo-me ficar com a nódoa e não é que ela desapareça, mas eu é que nessa atitude deixo de olhar para ela!! Com tempo, e sem ansiedade mudo de camisa e não faço o detour para isso!!
Termino por aqui e gostava de dizer que como diz a Brene Brown;
“Falar é um ato de vulnerabilidade”… e “a coragem de ser vulnerável não consiste em ganhar ou perder, mas na coragem de comparecer quando não podemos prever nem controlar o resultado.”
Obrigada pelo vosso tempo*
Santa Páscoa