Fevereiro

Olá queridos subscritores*


Estamos a algumas horas do dia dos namorados, e eu escrevo esta carta a partir da mesa da cozinha, no feriado, enquanto tomo conta do arroz que está no fogão.

De porta fechada :-) porque me sinto cansada hoje. Ontem tive uma longa call no Zoom, seguiu-se uma longa e importante conversa com uma amiga, e hoje na verdade, ainda não me calei portanto, de repente o meu interior começou a dar sinal!!  Esta necessidade de tempo sozinha é uma das minhas necessidades mais fortes como mulher e artista. Num dos podcasts que ouço enquanto pinto, (certas obras, geralmente as que tem repetição, porque não outras tenho de estar silenciosa no processo de pensamento) ouvi a Esther Perel, que admiro e adoro ouvir , dizer que a diferença entre os introvertido e os extrovertidos, não  tem a ver com o facto de  os introvertidos não serem seres sociais, mas porque os introvertidos precisam de muito mais tempo sozinhos a seguir  para repôr a energia que gastam no contacto social, aos passo que os extrovertidos recarregam na companhia dos outros. 

A partir deste dia ficou para mim explicado de uma forma coerente esta diferença onde realmente me insiro e sei que muitos de vocês também.

Portanto, não somos estranhos!! Somos como somos!! Só isso!! 

Uma das coisas que vai marcar para sempre este ano é que a palavra que lhe é atribuí mudou. 


No final do ano, numa conversa de whatsapp com uma amiga, partilhamos as nossas palavras para o ano seguinte, e tenho de ser honesta, já não me lembro que palavra disse!! Penso que foi Fun!! Divertir-me!! Mas com o correr do ano, rapidamente ficou claro um traço diferente de comportamento em mim. Portanto agora sei que as minhas palavras para já… são;

Arriscar e Leveza.

Tem sido um ano em que arrisco muito no âmbito do processo criativo do meu trabalho e, quando digo arrisco quero dizer, saio do meu lugar de conforto para me libertar da tensão que às vezes reparo ter, quando por momentos observo o meu corpo de fora. Este libertar,  é de dentro para fora. Liberto-me a desenhar muito mais, a ser menos preciosa com os meus cadernos, a riscar, a rasgar, a misturar tudo e a experimentar novos materiais. A pensar no início de uma nova experiência,  que é apenas um papel, e que na realidade arriscar não me deve provocar a ansiedade de uma cirurgia à cabeça!!! Como dizia num podcast e a Sandi Hester cujo maravilhoso trabalho acompanho nos seus Vblogs  no YouTube.

Vê-la a trabalhar e a pensar,  ajudou-me imenso nessa experiência, e sedimentou a minha própria expressão que tantos anos me demorou a encontrar dentro de mim.

Portanto, vamos arriscar!

Leveza porque estou a viver um momento único na minha vida que fechou um ciclo de "Vida morte & vida",  como diz a Dra. Clarissa Pinkola Estés no seu livro, Mulheres que correm com Lobos.

Depois de vários anos de um  lento  caminhar da minha mãe para a demência,  e muitos meses de cuidado alternado com os meus irmãos, comecei  a questionar a nossa capacidade de cuidar de uma mãe, a mesma que cuidou de nós sem se questionar.  Digo isto porque tomar a decisão que tomamos é altamente difícil e conflituoso dentro de cada um de nós e, sentimo-nos observados e julgados, por nós mesmos... embora no fundo o nosso verdadeiro interior seja compassivo. É um julgamento interno que neste processo percebi, ser um lugar comum para muitos filhos. Entregar a nossa mãe ao cuidado de pessoas formadas para isso, e encontrar o lugar onde nós próprios gostaríamos de estar se é que isso é possível!!

Pois na minha recente experiência de viagens entre residências, (porque a palavra Lar me deixar desconfortável, como muito bem salienta a Joana Subtil do Livro  Os outros de alguém …  que me tiraram noites de sono, cada dia que se aproximava o momento da decisão, percebi que foi a melhor decisão que tomei, não para mim mas para ela, e que os meus piores pesadelos de muitas noites não se realizaram, o que me fez ver que a nossa tendência é para ir para um lugar de dor onde há já muito músculo praticado ao longo de uma vida!! Uma casa maravilhosa, que se assemelha a um hotel, onde as refeições são á hora, e tudo é à medida do habitual dela,  e onde convive com outras pessoas em oposição a estar sozinha o dia todo, queixando-se de estar só ou acompanhada...a caminhar entre a cama e o sofá!! Claro que no conforto da sua casa mas, sem a segurança necessária à exigência da sua patologia. 

Hoje vejo-a num lento desabrochar, na direcção do exercício motor e mental. Conversa, os  sorrisos são misturados com as lágrimas da saudade de algo que ela recorda mas que em segundos se desvanece da memória já demasiado desgastada. 

Por outro lado, eu própria descobri que me sinto preenchida e energizada,  sempre que passo uma tarde com ela, na companhia de todas aquelas pessoas, e dedico o meu tempo apenas a estar ali, a ouvi-las, a desenhá-las, e a querer saber com interesse genuíno porque onde andaram durante 80 anos, (em média!!)

Depois de muitos meses de verdadeiros pesadelos e de viver com um pé no presente e outro na minha futura velhice, estar ali na companhia deles, fez-me voltar a colocar os pés no presente, a estar onde os meus pés estão, e perceber que tenho ainda muitas coisas para viver e que quero fazê-lo para chegar ali com a sensação de ter Vivido, se claro for capaz cognitivamente, algo que não posso controlar.

Sentir isso, fez-me sentir leve, algo que à muito não sentia. Sentia-me o oposto!!

Claro que ainda não estamos no fim do mês, mas eu arrisco a dizer que nada será este mês mais importante do que esta experiência vivida!!

Com o resto eu posso bem!! 

Sei que muito temos os pais idosos, e estamos todos reunidos num sentimento de medo e dúvida similar. Culpa onde ela não existe. Esta é a minha experiência, se ajudar!!

Aquilo que posso dar agora à minha mãe é tempo a partir de um lugar em que me sinto cuidada, em paz e leve. E que diferença isso faz!! Não há culpa e nem ansiedade. 


Deixo um dos desenhos que fiz este Domingo consciente de que esta é a melhor forma de a recordar. 

Espero que esta história vos inspire, e quem sabe ajude.

Dito isto, vemo-nos dia 31 de Março?? 

A newsletter de Janeiro vai estar disponível no meu site amanhã ao final do dia, num Blog que vai registar estas cartas. Como o livro de Rainer Maria Rilke "Cartas a um jovem poeta" 

Com Amor

Graça Paz






Janeiro

Conforme combinado para quem subscreve as minhas newsletter especificas para estas cartas, aqui fica agora a público o inicio de um projecto para os 12 meses deste ano.

A cada ultimo dia do mês, para quem subscrever e mostrar interesse em partilhar os pensamentos que impregnam as paredes de um atelier de pintura no seu mais banal dia a dia, é enviada uma Newsletter muito particular e em formato de carta.

A ideia é sair do formato de atenção de 3 segundos a que nos habituamos, esta economia na nossa atenção… e re-activar o espaço maravilhoso e contentor que é a leitura seja em que formato fôr.

Para subscrever basta enviar um email para gracaempazartist@gmail.com com a palavra Newsletter e eu coloco-vos num grupo que já tem 60 inscritos e que espero que cresça.

Hoje dia 29 de Fevereiro foi enviada a Carta eferente ao mês em que estamos, e aqui vão ficando publicadas as dos mês anterior.

Estes textos são em em geral um investimento de 7 minutos do vosso tempo, e a intenção não é de vender nada no conteúdo de cada Carta!!

Conto convosco e espero estar à altura.


Diary Newsletter Janeiro 2024

Começamos hoje uma viagem de doze meses com Kahlil Gibran que diz em prol dos Artistas;

"E se vierem os cantadores e os dançarinos, e os tocadores de flauta, recebei também os seus dons.

Pois também eles recolhem frutos e incensos e embora disfarçados de sonhos, o que eles vos trazem é para a vossa Alma roupa e alimento"

Estou excitada com este projecto e espero que seja para todos vocês um momento pelo qual anseiam no final de cada mês.

Primeiro, obrigada por fazerem parte desta comunidade, artistas ou não, não interessa, porque criativos todos somos numa área qualquer, portanto tenho a certeza que vamos de alguma forma tocar-nos em vários assuntos.

Esta Diary Newsletter, vai ser um pequeno resumo de 7 minutos de leitura, escrito em pequenos parágrafos sobre os assuntos que foram mais relevantes ao longo de cada mês. Sendo que  todos os nossos assuntos estão interconectados, que vivemos numa "To Do list" que parece não ter fim..., a arte que eu faço muitas vezes transborda a emoção de muitas coisas que estou a viver ou apenas a observar. Sejam elas mais prazerosas, ou mais desafiantes.

Por outro lado, aqui voltamos à ligação mais estreita da escrita em modo carta.

Dito isto, passamos ao mês de Janeiro.

Embora tenha entrado a noite de novo ano aos pulos no terraço naquela energia que nos invade de esperança no novo, quase no dia seguinte não me conseguia levantar da cama…foram 7 dias mergulhadas nos lençóis, sozinha no meu quarto, a ver o  céu do fim de tarde a deslizar lentamente na minha janela em várias tonalidades de rosas e azuis. Foram sete dias que mudaram o curso no meu mês e ano, e deram o arranque necessário a uma grande mudança que queria fazer na minha vida / trabalho, mas não sabia como.

Reformulei a palavra Dúvida este mês. (talvez vos ajude também)

Dúvida, é um pequeno espaço de resolução que irrompe através da nossa "Crosta" e é na realidade uma coisa valiosa!!

Crosta- Muito do nosso excesso de pensamento e atividade é formada por hábitos que simplesmente deixamos correr, processos automáticos que ao longo do tempo, formam uma "crosta" tornando a razão da nossa vontade muitas vezes irreconhecível a nós mesmos!

Relembro o poder incrível de nos retirarmos do mundo por um tempo limitado, e o quanto o aparente vazio se enche de tomadas de decisão transformadoras e muito mais fundamentadas na luz que passa através das brechas dessa nossa Crosta. 

Que não precisemos de uma doença para o fazer…

*E qual foi essa grande mudança?

Einstein esteve muito presente naqueles  dias, como que deitado ao meu lado, teimava em dizer-me que, que a cabeça que soluciona os problemas não pode ser a mesma que os criou!!

Posso dizer que, numa auto-análise profunda que me acompanha há muitos anos, percebi que havia uma descompensação ao longo dos meus dias, e quase que uma hemorragia  de energia constante há muitos anos. Um modo “By default” (atrás definido como Crosta!!).


Foi nestes dias que aqui que eu me inverti a minha personalidade literalmente, e, no primeiro dia possível de atelier,  coloquei em prática aquilo que congeminava no meio dos meus lençóis. Passei para a minha primeira hora aquilo que realmente é importante para mim. A pintura!

Sim é possível mudar de personalidade porque de cada vez que o meu velho Eu, re-emerge, eu reconhecendo-o, mantenho o meu novo curso de ação.

Antes disso a minha manhã era toda, senão também parte da tarde, excessivamente preenchida  com tudo aquilo que me dá ansiedade, que é também importante mas na realidade, ao contrário do que imaginamos, não é prioritário. E às vezes até compensa que não seja e eu explico porque. 

Responder a emails, passar faturas, reunir despesas, ir ao correio, arrumar e limpar, responder a chamadas, e a mensagens sobretudo, eu sei lá…A desvantagem de crescer num objectivo/propósito de vida, é que crescer trás a ansiedade da sobrecarga!! Mais responsabilidade. Aquela que por natureza já assumo muitas vezes sem ser minha!!

Passamos a ter contabilidade organizada, e telefonemas constantes do contabilista e do transportadores, e clientes no atelier…etc!! Sem contar com o outro lado, a mulher/mãe/filha!! Queremos dar o nosso melhor, e não deixar pontas soltas. Não esquecer nada num mundo onde a distração já nos poluiu !! Como se estivéssemos constantemente a ser julgados.

O tempo de pintura reduz substancialmente. Isto é um dado adquirido até tomarmos o controle da situação, as rédeas da nossa vida “By default”,  e fazermos uma inversão de prioridades trazendo para a Primeira hora, aquilo que é realmente importante e no fundo a base da nossa homeostase para o corpo para a alma!! 

Nunca que me lembre andei tão calma e feliz, e pintei tanto!! Me senti no propósito. 

Todas as manhãs sem excepção. Quando à tarde me permito fazer todas as coisas que nomeei, atrás faço-o já preenchida e de alma cheia!!. 

O que fiz? Protegi o meu tempo!!

Esta mudança mudou para sempre o meu dia e o meu interior. 

Nunca mais cometo o erro de achar que aquilo que também tem um tempo para ser feito é mais importante do que a minha responsabilidade como artista comigo própria e por relação directa  com os meus colecionadores, clientes, muitas vezes amigos por esta ordem crescente!!.

Atrás eu dizia que compensava deixar passar tempo, porque muitas vezes, na minha experiência, foi quando pousei os assuntos e me dediquei à pintura que certas respostas necessárias apareceram como que por milagre. Passei a confiar nesse espaço vazio. 

*Numa rede quase tecida à mão com tudo isto, a minha mãe caminha no seu ritmo, sem pressa,  quase que me atropelando na minha, porque tropeço na não pressa dela…para um momento na vida dela que não terá um retrocesso. E isso tem-me feito pensar muito no envelhecer com qualidade. ( A roda da vida da psiquiatra Elisabeth Kubler- Ross ) 

Sei que muitos de vocês vivem a velhice dos vossos pais e eu pergunto se nós, no momento em que estamos, não teremos uma palavra a dizer sobre esse nosso futuro momento. O meu universo mental e emocional, trouxe para o meu trabalho abstracto também esse pensamento e momento tão crucial em que já passamos aquela fase em que chegar à velhice era daí a milhares de anos. Ao invés disso de repente tornou-se uma real corrida contra o tempo num mundo em que valor pessoal se mede pela quantidade de coisas que fazemos, a piorar a situação!! 

Deixei esta newsletter um dia a flutuar no meu azul,  portanto este parágrafo é escrito um dia depois, para dizer que aquilo em que podemos ter uma palavra a dizer,  é  fazermos as pazes com o envelhecimento natural no nosso corpo porque na Aceitação vem aquilo que precisamos para encontrar um caminho adaptado à nova realidade. Vem a Paz. 

Numa residência geriatrica vemos bem aquelas pessoas que estão no momento, e as que não estão. Há muitas razões para isso que não pretendo sequer julgar.

São dois assuntos que podem suscitar algum pensamento nas vossa vidas também, presumo;

1- Se o que estou a fazer, e a forma como o faço, me dá energia e alegria, ou me deixa num estado de hemorragia constante que está a esgotar os meus recursos, caminhando mais rapidamente para o segundo ponto.

2-No meu momento atual, o que posso fazer para construir os alicerces da minha velhice? (Não apenas financeiros mas  de autonomia física, mental e emocional)

Ainda que possamos não ter nenhum poder sobre as nossas decisões, não fomos nessa direcção ao sabor do acaso, de olhos fechados com medo de ver um dos assuntos mais tabus da nossa sociedade. A terceira idade. 

A minha biblioteca este mês;

10 minutos por dia, são muitas horas ao final de um ano. É importante ver as coisas nesta perspectiva quando desculpamos algo com a nossa falta de Tempo.

Saving time da Jenny Odell. 

Uma breve história de Israel e da Palestina de Michael Scott-Baumann

Saving time, é um estudo muito bem fundamentado e incrivelmente atraente sobre o sentido de tempo. Vai mudar a vossa noção de como viver o vosso tempo.

Uma breve história de Israel e da Palestina, porque sei que somos levados a julgar através das imagens mas não sabemos de todo a história, os motivos que levam à violência. 

Sobre estas Newsletters

Estas "cartas" não tem a intenção de vender nada, quero que saibam isso quando receberem uma. E tambem que estejam à vontade para me pedir para remover o email caso se apercebam que não são assuntos do vosso interesse!!

Despeço-me até Fevereiro*

Da aldeia com muita Cor,

Graça Paz